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Black Mirror (Temp. 6) – “Beyond the Sea”

De nada adianta estar de corpo presente em sua residência se naturalmente você nunca esteve presente.

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Black Mirror (Temp. 6) – “Beyond the Sea”
Foto: Divulgação

Em “Beyond the Sea” conhecemos Cliff Stanfield (Aaron Paul) e David Ross (Josh Hartnett), astronautas que vivem uma missão no espaço estando há milhões de quilômetros da Terra. Em um episódio ambientado nos anos 60/70, somos apresentados a uma tecnologia jamais alcançável para os padrões da época (que também não seria alcançável atualmente). Por isso, nesta ficção científica conhecemos uma réplica perfeita dos corpos de ambos os astronautas que vivem na Terra enquanto os verdadeiros encontram-se em missão no espaço. Porém, as réplicas só ficam ativas quando os astronautas no espaço realizam uma conexão de sua mente aos robôs na Terra, e assim possam continuar vivendo suas pacatas vidas estando presentes a suas famílias. Um grave acontecimento faz com que David perca a conexão com sua réplica. Isso o destrói como homem e como humano, forçando este astronauta a viver os próximos anos com seu companheiro de missão sem visitar a Terra. Cliff junto de sua esposa na Terra encontra uma solução para minimizar o impacto e a dor de David, deixando com que seu companheiro utilize sua réplica para ficar um tempo na Terra. Dessa forma, ambos passam a utilizar a réplica de Cliff. Com o tempo as coisas saem do controle e a relação dos astronautas começa a ser um problema para a família de Cliff e para a missão no espaço.

O episódio me trouxe diversos sentimentos, diversos pensamentos e diversas questões. Primeiramente, quero exaltar a direção do episódio, a fotografia e a direção de arte. Realmente acreditei viver nos anos 60/70 com absurda tecnologia apresentada. A trilha sonora também ajudou com a ambientação do episódio. O que me surpreendeu foi o rumo da trama, que teve um lento desenvolvimento até o primeiro grave acontecimento, depois dali, vemos uma construção bem sólida, com pequenos desvios, mas que não alteram o rumo e o fim da história. 

Como dito, conseguimos extrair muitas informações deste episódio. Cliff e David são homens de suas residências, patriarcas, donos de suas famílias, porém, com características diferentes. David se mostra um marido e um pai mais presente e Cliff se mostra um general, criando seu filho como soldado e forçando sua mulher ser uma dona de casa. 

Logo no início vemos Cliff questionar quando o jantar estará posto a mesa, vemos ele questionar o fato de sua mulher ler tantos livros, vemos que ele não consegue cortar uma lenha e se explicar para seu filho por não parecer forte o suficiente, enfim, são pequenas coisas que aumentam ou tiram sua capacidade de ser o alfa. Com David vemos um homem mais presente, mas que também não têm capacidade de proteger sua família quando se faz necessário. Além disso, David se mostra comunicativo de início, mas quando se encontra em um momento de crise reprime seus reais sentimentos para não se mostrar frágil e perder sua masculinidade. 

Com o acontecimento violento e aterrorizante assistido por David, ele passa a utilizar a réplica de seu companheiro, Cliff. O que parece ser estranho desde o início, pois, o corpo de Cliff na Terra possui a consciência de David. Rapidamente percebemos que esse acordo não terá um bom rumo, pois, de certa forma há envolvimento da família de Cliff enquanto David está no corpo do amigo. O que se destaca nessa troca de consciência é o fato de Aaron Paul interpretar duas pessoas, entregando atuações de tirar o chapéu. De qualquer forma, vemos a invasão de David na residência e na família de Cliff, e como identificamos no início, Cliff é o patriarca, é o homem da casa, um general, que não permite que outro invada seu espaço, ou no caso, sua esposa. A partir do momento que a esposa de Cliff vira um alvo de David, há uma reviravolta, mostrando que para Cliff sua esposa é apenas seu grande troféu. A todo momento em que Cliff esteve presente em sua réplica acompanhamos um homem que mal conversa com sua esposa, e que mesmo estando com sua consciência presente, ele se mostra distante. Em um determinado momento sua esposa ressalta que sente a casa vazia, mesmo com aquela máquina tão perfeita presente no local.  Do que adianta estar presente em casa, se na realidade mesmo de corpo e alma, jamais se fez presente?

Este é um dos questionamentos que o episódio nos desperta. Além disso, quando pensamos que David é um homem diferente, na realidade ele só busca pelo mesmo, uma mulher para chamar de sua, custe o que custar. 

Em outro momento o episódio traz outros sentimentos e questionamentos. Identificamos a inveja de David ao ver que seu parceiro tem família e um lar, identificamos o poder de Cliff em manter o controle de sua vida no espaço e na Terra, identificamos a dor e a forma de cuidar do luto e a expectativa que geramos sobre o nosso próximo. 

Também somos apresentados a um drama onde somos expostos a sentimentos de perda, de depressão, de isolamento, onde não encontramos saídas, afinal, estamos no vazio do espaço. Não há saídas para nossas angústias e para nossos maiores medos, com isso, somos levados a reflexão de quais serão nossas ações para seguir em frente perante nossos maiores conflitos. Afinal, jamais foi sobre a missão no espaço, sempre foi sobre o autocontrole, o relacionamento e a necessidade de uma boa comunicação entre duas pessoas, no caso, dois homens. 

Em um episódio que utiliza o sci-fi apenas como gancho, vemos uma boa narrativa de dois homens que só conseguem se olhar e se conversar quando há uma tragédia conectando ambos. O acontecimento final, choca o espectador e deixa o questionamento a seguir: 

Afinal, você sentaria a mesa de alguém que te fez sentir e entender os mesmos sentimentos de dor e angústia? Devemos olhar para isso como uma solução ou como um gatilho para uma grande guerra?

Da mesma forma que o episódio termina, eu termino esta análise. A resposta é sua!

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