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Black Mirror (Temp. 6) – Demônio 79

Com Demônio 79 somos convidados a viver uma baita experiência de qualidade com um produto de horror, porém, real.

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Black Mirror (Temp. 6) – Demônio 79
Foto: Divulgação

Finalizamos a temporada com um episódio que nos transporta aos clássicos filmes de horror, com seus closes exagerados, muito sangue, imagens granuladas, trilhas retrô e cenários frios que causam um certo desconforto. Em um determinado momento parece que estamos assistindo a Kill Bill de Quentin Tarantino, mas não, estamos em um episódio de Black Mirror. 

Black Mirror nos apresenta um filme Red Mirror, dividindo a temática e a forma de tratar seu conteúdo, eliminando todo aparato de tecnologia e colocando o sobrenatural para trazer temáticas assustadoras de nosso dia a dia. 

O episódio nos apresenta Nida (Anjana Vasan) uma imigrante indiana que trabalha numa pequena loja de calçados no norte da Inglaterra. Nida é uma mulher tímida e que mantém seus sentimentos consigo mesma, realizando suas atividades conforme é solicitado pelo seu chefe e sua colega de trabalho. Por consequência de uma reclamação de sua colega, Nida é obrigada a fazer seu horário de almoço no porão da loja de calçados. Lá, Nida encontra um amuleto e sem querer, realiza um pacto de sangue invocando um demônio. O demônio de nome Gaap é personificado na pele de Bobby Farrell, integrante do grupo Boney M. Como regra do pacto de sangue, Nida agora é obrigada a realizar três assassinatos em três dias, caso contrário, ela será responsável pelo fim da humanidade.

Demônio 79 que se passa no ano de 1979 levanta questões que na realidade devem ser abordadas e discutidas nos dias de hoje, como racismo, xenofobia, preconceitos em geral, intolerância, extrema direita e por aí vai. São temas presentes nos dias de hoje e que atingem boa parte da população. Nida, uma mulher, imigrante, de pele escura, pobre, se encaixa perfeitamente no papel de uma minoria que é atingida dia a dia pela população racista, intolerante, xenofóbica e machista. A personagem Vicky faz exatamente o papel da pessoa preconceituosa, que não tem medo de expor seus pensamentos odiosos. A cada momento de Vicky fica claro sua intolerância com Nida, que é tratada com desrespeito. Com essa temática, somos apresentados ao candidato a eleição Michael Smart, que se vende como oposto a extrema direita dizendo ser o fator de mudança para o futuro do país. 

O pacto de Nida prevê que ela mate três pessoas em três dias, porém, não estamos falando de uma assassina, o que seria difícil para a personagem. O que facilita sua busca pelas vítimas é o demônio Gaap que aponta pessoas ruins como alvo para a protagonista. No entanto, não seria fácil aceitar que Nida sairia assassinando pessoas tão facilmente, porém, em algumas cenas anteriores vemos que Nida já tem pensamentos de ódio e homicidas para aqueles que a destratam no dia a dia, como com Vicky por exemplo. A forma que escolheram para desenvolver a personagem acaba sendo um grande acerto do roteiro. A construção da garota tímida para uma mulher de coragem é notada a cada nova morte e a cada novo momento de crise. 

De uma certa forma, o demônio Gaap se torna um grande amigo de Nida, dando conselhos e sempre lembrando que mesmo no papel de assassina, Nida é uma boa pessoa. Durante o episódio vemos notícias de que o mundo está se colapsando com forças políticas em crise, guerras em construção, ameaças de mísseis, entre outras crises globais e somente a imigrante indiana tem a responsabilidade de salvar o mundo. 

Seus alvos são escolhidos como um estuprador, um feminicida e a grande surpresa o nosso candidato a primeiro-ministro Michael Smart. Quando Nida conhece o futuro do candidato, percebe que ele é o responsável por instalar o caos na sociedade, sendo eleito primeiro-ministro pela extrema direita gerando ódio e guerra no mundo. Nida não pensa duas vezes e decide que ele será seu alvo, assim, ela poderia “salvar” o futuro do mundo. Mesmo que ele fosse muito querido pelos superiores de acordo com o demônio Gaap, Nida tem certeza de seu alvo. Contudo, uma boa alma não permite que Nida conclua sua missão e o prazo para matar chega ao fim. Mesmo que o futuro da sociedade estivesse nas mãos de Nida, um homem de poder como o candidato Michael Smart pode ser o responsável pela destruição do mundo, destilando ódio a todos fora de seu “padrão”.

Chegando ao fim do episódio, percebemos os problemas psicológicos de nossa protagonista. Fica evidente que os preconceitos sofridos foram os responsáveis por torná-la uma pessoa depressiva, fechada e sem um ciclo de pessoas para acolher. Podemos dizer que o demônio Gaap jamais existiu, que apenas é fruto de sua imaginação, pois, somente ela pode vê-lo. Podemos dizer que a salvação do mundo seja apenas uma desculpa para colocar seu ódio para fora, pois, o mundo já estava colapsando. Nida é apenas uma vítima de uma sociedade preconceituosa e intolerante, e sua saúde mental é completamente abalada pela opressão. Nida e o demônio Gaap percebem que na realidade são um só, onde ambos estão sozinhos em um vazio. Depressivos e excluídos de suas sociedades Nida e Gaap se abraçam e dessa forma acabam se completando deixando de ser um vazio para se tornarem cheios de si. O final feliz de Nida é o triste fim da sociedade, que por sua ganância e luta por poder acabam se destruindo. 

Demônio 79 encerra a temporada perfeitamente, trazendo temáticas tão necessárias e presentes na sociedade, mostrando que não há como “salvar” a humanidade. A qualidade técnica do episódio deixa em aberto a possibilidade de um ótimo futuro para a série. Aqui não é o fim de Black Mirror, acredito que na realidade encontramos um novo início para uma das melhores obras da Netflix. Por fim, em uma temporada recheada de críticas a sociedade, a indústria do entretenimento, ao consumismo de conteúdos, ao apego por histórias reais e conteúdos true crime, encerramos com a realidade de nosso presente, entendendo que devemos manter nossa humanidade, pois, somente dessa forma encontraremos futuro em nossa sociedade. 

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