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Por dentro das aulas do Quebrada Queer

O sexteto comenta sobre o retorno aos palcos e a temática de seu mais novo single “ABC do QQ”

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‘ABC do QQ’ marca o retorno do Quebrada Queer após hiato de quase dois anos · Foto: Gustavo Dantas

O rap é um lugar de referência ao ser porta voz de questões inerentes à sociedade. Em seu papel histórico de denúncia e provocar questionamentos sobre a engrenagem social, ele funciona como um motor de reflexão para o que somos como um todo e para onde estamos indo. O grupo Quebrada Queer nasceu de um espaço a ser ocupado pela comunidade LGBTQIA+ no hip-hop, muitas das vezes ainda pautado por uma visão masculina, cisgênero e heterossexual.

Formado por Apuke, Boombeat, Guigo, HARLLEY, Murillo Zyess e Tchelo
Gomez
, o QQ nasceu como uma cypher, definido comumente como um grupo de mestres de cerimônia que se une para rimar por algo em comum. Desde 2018, os artistas vêm conquistando um carinho e importância por representar a voz que pessoas da comunidade queer gostariam de ter.

A importância do QQ

Coletivos no rap são conhecidos há décadas. Racionais MC’s e tantos outros grupos são famosos e consagrados por falarem da realidade, seu convívio e sobre coisas palpáveis às suas visões de mundo. O Quebrada Queer chegou e firmou-se como pioneiro na forma e conteúdo. Embora Rico Dalasam e Linn da Quebrada já houvessem despontado como mensageiros das particularidades das letras G e T da comunidade LGBTQIA+ no rap, o QQ se estabeleceu para somar enquanto uma mensagem de união.

Assim como outros artistas serviram de inspiração para o grupo, o coletivo passa agora a servir como referência para os que emergirão. Segundo Murillo Zyess, o aspecto da inovação “é sempre positivo para inspirar e servir de referência”. O formato de conexão, para o artista, também funciona para reforçar “o quanto pode render bons feitos um bom trabalho em equipe, isso pode ser adaptado pra praticamente todas as situações do nosso cotidiano”.

Da esquerda para a direita: Tchello, Guigo, Apuke, Harlley, Murillo e Boombeat · Foto: Gustavo Dantas
Da esquerda para a direita: Tchello, Guigo, Apuke, Harlley, Murillo e Boombeat · Foto: Gustavo Dantas

O Quebrada Queer já nasceu transformando sua importância em números. Desde seus primeiros lançamentos, já acumula mais de 10 milhões de reproduções nas plataformas digitais. Embora métricas não sejam parte principal da essência da arte, a potência do grupo se transfere no alcance conquistado nos corações dos ouvintes ao redor do país e do mundo. Essa audiência revela que há uma demanda sobre o que é cantado e apresentado, traduzindo-se no carinho dos fãs e admiradores.

E o carinho dos fãs acompanha o QQ em cada lugar de apresentação e também em cada trabalho individual de integrantes. Desde o hiato e perpassando pelo período de isolamento social, cada artista focou em lançamentos solo que serviram tanto como crescimento pessoal e profissional. Mesmo na posição de pessoas que trabalhavam com a música antes do coletivo, para Tchelo Gomez, períodos como esse são responsáveis por adquirir “novas bagagens, skills, pontos de vista diferentes, novas experiências”. Para ele, “é preciso evoluir e amadurecer individualmente pra que consigamos evoluir e amadurecer coletivamente”.

O grupo na pandemia

Durante o isolamento físico, a cultura e arte, especialmente os shows e apresentações ao vivo, foram muito prejudicados. A ponta maior desse desfalque caiu para os artistas independentes, em sua maioria os responsáveis por angariar seus próprios financiamentos. O boom das lives serviu como um escape durante os primeiros meses de distanciamento, mas não substituiu a energia do calor humano. Para HARLLEY, a pandemia foi um choque e mesmo com a alternativa da internet, havia uma impossibilidade no encontro de seis artistas por conta da distância dos integrantes na cidade.

Segundo elu, o coletivo continuou em contato: “Muita coisa aconteceu, dentre elas a travestilidade da Boombeat e minha não-binaridade, que pudemos entender melhor sobre nossos corpos, emoções, etc., durante o período de isolamento. Enquanto a gente não se encontrava, começamos a planejar o que seria essa nova era e felizmente veio vacina, os shows presenciais estão retornando e para nós, ver as reações pessoalmente é muito mais emocionante do que ler os comentários pela web”.

Apresentação virtual de Pokas, gravada em casa por cada integrante, em projeto do Hashtag Pop e Quebrada Queer durante isolamento social

Por dentro do “ABC”

E falando de nova era, o “ABC do QQ” se consagra como o hino do retorno do Quebrada Queer. O verso “Tem L, tem G, NB e tem T no QQ” exemplifica a fala de HARLLEY ao mostrar que o grupo retorna utilizando sua plataforma para contar sobre novas vivências. No single, de acordo com Luara Boombeat, o coletivo adota uma postura, através da letra e da estética, de didática escolar, onde podem estar atuando para ensinar e aprender.

Para Boombeat, a canção fala “sobre autoestima, a valorização de quem nós somos e também toda a cena e o mercado. A gente foi meio que por esse lugar, de trazer uma volta, mas falando sobre saber que a gente é foda para caralho. A partir do refrão do Murillo, que fala que pode procurar no ABC que só vai achar no QQ, a gente entrou nesse lugar de ser mais didática”.

Dando sentido a esse lugar da música, o videoclipe, dirigido por Gabriela Rabaldo, se ambienta em uma escola, lugar opressor para a maioria das pessoas LGBTQIA+, e perpassa pelos principais espaços como a sala de aula, a quadra e a intimidadora sala do diretor. Na parte instrumental, o beat traz uma mistura que representa a essência do Quebrada Queer. Apuke, a produtora musical e DJ do sexteto, salienta as referências no funk 2000 como base para a obra. Segundo ela, o objetivo é trazer um toque forte, marcante, dançante, atual, mas também com um toque de nostalgia do Brasil.

O novo clipe do QQ também traz mensagens, referências e coreografia · Foto: Gustavo Dantas
O novo clipe do QQ também traz mensagens, referências e coreografia · Foto: Gustavo Dantas

Já para capturar a atenção dos ouvintes, o grupo utiliza o som da viola árabe: “Trazendo uma sonoridade mais de “tensão” para garantir a atenção do público na entrada dos versos, método esse já utilizado em outras faixas do Quebrada como em ‘Pra Quem duvidou’”, ressalta Apuke, relembrando um dos maiores sucessos do QQ.

“ABC do QQ” no Spotify

Todos esses fatores culminaram em uma faixa cativante de quatro minutos e 22 segundos, mesmo em uma era na qual músicas mais curtas têm virado sinônimo de padrão. Para Guigo, há uma dualidade em entender o propósito de sua arte, mas também estar atento às tendências mercadológicas: “Ambas são válidas, mas não acredito que nenhum artista deva cercear sua arte a servido de uma plataforma, app ou tendência. É sim extremamente importante estar a par do mundo em que vivemos, mas é mais importante que você não se censure ou censure sua arte para caber nos moldes que tem se criado nele”, comenta.

Videoclipe de “ABC do QQ”
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