DaBaby coloca seu preconceito contra a ciência em discurso sorofóbico e homofóbico
Especialista afirma que é inadmissível achar que o HIV está atrelado a determinados grupos e que pensar dessa forma afeta o controle da epidemia
O rapper DaBaby se envolveu em uma polêmica após discursar de forma ofensiva a pessoas vivendo com HIV e homossexuais durante sua apresentação no Rolling Loud Festival, na ocasião sediado na cidade de Miami. Entidades, marcas, especialistas e outros artistas, como Anitta, Dua Lipa e Madonna, rechaçaram as atitudes do cantor e anunciaram medidas contra o posicionamento sorofóbico e homofóbico de DaBaby. Convidado pelo Hashtag Pop, o pesquisador e doutorando Robson Filho, que estuda sobre discursos midiáticos, representações, identidade e HIV pela Fiocruz, explica os contrapontos sobre as falas de DaBaby com base na ciência.
O discurso
Enquanto se apresentava no Rolling Loud Miami, no dia 25 de julho, DaBaby pediu para que o público ligasse a lanterna de seus celulares e apontassem para o alto. O pedido, entretanto, veio embalado com um discurso repleto de sorofobia e homofobia:
“Se você não apareceu hoje com HIV, AIDS ou qualquer uma dessas doenças mortais e sexualmente transmissíveis, que farão você morrer em duas ou três semanas, então levante a lanterna do seu celular”. Não satisfeito, DaBaby continuou sua série de ofensas com a frase: “Se vocês não estão chupando uma rola no estacionamento, levante a lanterna do seu celular”.
Ao concluir, o rapper convidou seu colega Tory Lanez ao palco, sob uma chuva de vaias que culminou no arremesso de um sapato em direção ao palco. Tory é acusado de atirar nos pés da rapper Megan Thee Stallion.
As reações
Uma fala tão problemática para um público tão grande presencial e virtualmente não ficaria livre de consequências. DaBaby está ao lado de grandes artistas da música popular mundial, como Lil Nas X, Dua Lipa e Anitta, com quem divide participações. Lil Nas X é gay e Dua Lipa e Anitta têm a comunidade LGBTQIA+ como parte presente do seu corpo de fãs.
O remix de Levitating, da Dua Lipa com o rapper, por exemplo, tem mais de 830 milhões de streams e era amplamente divulgado pela gravadora. Depois do registro das ofensas, a comunidade LGBTQIA+ em conjunto com fãs indignados de vários artistas iniciaram uma mobilização por uma forma de reparação e posicionamentos em relação ao comportamento de DaBaby.
Marcas tomam atitude
O apelo das pessoas na internet tem surtido efeito: a plataforma de streaming Apple Music retirou o remix de Levitating, colaboração entre Dua Lipa e DaBaby, de várias playlists editoriais e de curadoria especializada. O festival Parklife, em Manchester no Reino Unido, cancelou a apresentação do artista que estava prevista para setembro. A grife boohooMAN rescindiu um contrato com o artista para uma coleção de roupas de verão. O Lollapalooza de Chicago também retirou DaBaby de seu line-up de última hora no domingo (01/08). Mas as retaliações não pararam por aí.
Artistas se posicionam
Numerosos artistas e celebridades se posicionaram de forma pública contra as falas de DaBaby. Dua Lipa, que tem um trabalho diretamente relacionado com o rapper, comentou sobre a situação, na última terça-feira (27), através de um story do Instagram.
“Estou surpresa e horrorizada com os comentários de DaBaby. Não reconheço isso como a pessoa com quem trabalhei. Sei que meus fãs sabem onde está meu coração e estou 100% com a comunidade LGBTQ. Precisamos ficar juntos para lutar contra o estigma e ignorância acerca de HIV/AIDS”; disse a cantora.
Anitta, que colaborou com DaBaby em “Girl From Rio (Remix)”, utilizou o Twitter para enviar uma mensagem de apoio a seus fãs soropositivos e LGBTQIA+. Em inglês, ela afirmou que sempre vai estar ao lado de sua comunidade e que está enviando seu respeito e suporte contra a ignorância e estigma em torno do vírus HIV e da AIDS. Ela enfatizou que condena qualquer demonstração de ódio e finalizou com “deixe o amor brilhar”.
O assunto se espalhou de forma exponencial a ponto de Elton John e Madonna, lendas da música, virem a público para manifestar seu repúdio. Ambos os artistas são conhecidos por lutar há décadas em torno de uma conscientização sobre a epidemia do vírus e contra o preconceito. No lançamento de Like a Prayer, em 1989, Madonna já trazia mensagens a respeito de prevenção e informação apurada no encarte de seu álbum.
Em seu Instagram, a cantora publicou o vídeo de DaBaby junto a um texto escrito diretamente para o rapper: “Depois de décadas de pesquisas científicas duramente conquistadas, agora há medicamentos capazes de salvar a vida de crianças nascidas com HIV, de pessoas que contraem o vírus por transfusões de sangue, material contaminado ou trocas de fluidos corporais”.
O britânico Elton John também utilizou seu Instagram para conscientizar o público com informações aprofundadas sobre o vírus. O artista fundou, em 1992, a Elton John AIDS Foundation, após ficar impactado com a luta em vida e o falecimento, em 1990, do jovem estadunidense Ryan White em decorrência da AIDS. Impedido de frequentar a escola após seu diagnóstico, Ryan recorreu a uma longa batalha judicial pelo direito à educação e virou notícia na mídia dos EUA. Além de visitar White no hospital, Elton John também compareceu a seu funeral.
No Instagram, o cantor publicou com destaque: “Desinformação sobre o HIV e homofobia não têm espaço na indústria musical. Nós devemos acabar com o estigma em torno do HIV e não espalhá-lo. Como músicos, é nosso dever aproximar as pessoas”.
Houve ainda quem defendesse a atitude. O artista T.I. saiu em defesa e afirmou que a comunidade LGBTQIA+ estaria praticando bullying com rappers, e em uma tentativa de eximir a responsabilidade na fala de DaBaby, ainda acrescentou: “Eu acho que vocês têm que entender que isso foi no palco, esse não é o lugar que os rappers vão para serem sensíveis e acalmar os sentimentos de todos. É um lugar para ir para se divertir”.
O que a ciência diz
O pesquisador Robson Filho, doutorando em informação e comunicação em saúde pela Fiocruz, destaca que as associações feitas por DaBaby apresentam uma série de preconceitos e equívocos refutados cientificamente. Assim como a publicação de Madonna, Robson aponta que atualmente, um diagnóstico por HIV “não é mais um atestado de morte”:
“A partir da terapia com medicamentos antirretrovirais, é possível viver com HIV e não desenvolver aids, que corresponderia à doença, e, inclusive, atingir uma carga viral baixa a ponto de não transmitir o vírus sexualmente para outras pessoas”.
Outro ponto levantado pelo pesquisador é em relação ao preconceito e a ao estigma de que as infecções sexualmente transmissíveis afetariam apenas uma comunidade ou determinado grupo de pessoas:
“As infecções por via sexual podem se dar em todos os tipos de relações desprotegidas, independente de gênero, orientação sexual, de serem monogâmicas ou não, de acontecerem em casa ou não. Todas as pessoas estão suscetíveis a contrair HIV e é inadmissível que ainda seja atrelado a determinados grupos como nos anos iniciais da epidemia, quando chamada de “câncer e peste gay”, “doenças dos homossexuais”.
Robson lembra que como consequência da estigmatização, muitas pessoas deixam de se testar frequentemente por acharem que não podem contrair ISTs, o que afeta o controle sanitário:
“Discursos sorofóbicos como esse afetam até mesmo o controle da epidemia, uma vez que essas ideias impedem que algumas pessoas, por acharem que não pertencem ao que foi demarcado como “grupos de risco”, ignorem a prevenção e a realização de testes regularmente ou, ainda, que soropositivos, por conta da discriminação, deixem de procurar acompanhamento médico.”