Como o preconceito impede que Pabllo Vittar cresça organicamente
Publicação atualizada às 21h50 com o posicionamento da Rádio Super FM 89,1.
Há pouco mais de um ano o portal Popline denunciou algumas rádios brasileiras que estavam se recusando a tocar músicas da drag queen maranhense Pabllo Vittar. O caso repercutiu pela internet, mobilizando até jornais de grande alcance como Metrópoles, e sinalizou algo que até então não era discutido: o preconceito institucional contra artistas LGBTQ+.
Para entender a dimensão do problema, é necessário primeiro compreender do que se trata a institucionalização de dogmas e convenções sociais. O preconceito institucional, segundo o autor Helio Santos no livro A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso, pode ser entendido como um sistema de desigualdades dentro de instituições governamentais ou privadas que se baseia na cor, cultura ou origem étnica das pessoas.
Esse preconceito teria a capacidade de apagar o desempenho comercial de artistas “fora do padrão”?
O porquê de Pabllo se encaixar nesse caso
Símbolo da luta contra padrões heteronormativos que estourou em meados da década de 2010, a cantora conquistou, em pouco tempo, o posto de drag queen mais seguida e ouvida do mundo. Pabllo, que saiu de uma simples apresentação em um jornal da TV Integração de Uberlândia, construiu seu caminho em alguns anos até o posto de Melhor Artista Brasileiro, concedido recentemente pelo MTV Europe Music Awards.
Chama a atenção uma artista ser reconhecida por seu trabalho fora de seu próprio país. Quando analisamos dados quantitativos, entretanto, essa curiosidade passa a se tornar uma corroboração: o Brasil é o país que mais mata LGBTQs+ no mundo.
Essa métrica está diretamente relacionada ao imaginário social brasileiro que enxerga homossexuais, transexuais, bissexuais, travestis, transexuais e pansexuais como seres subversivos, e tem sido alimentada pela polarização política.
Rádios que se recusam a tocar (até mesmo pagando)
Além da denúncia dos veículos de imprensa, Rodrigo Gorky, produtor integrante do Brabo Music – grupo responsável pelos discos e singles da artista -, revelou para o Observatório da Música, entre o lançamento de NPN e 111, que as rádios realmente se recusam a tocar músicas da drag:
“O NPN foi muito trabalho mesmo, não só nosso, mas de todos os envolvidos, mas infelizmente estamos vivendo um momento muito estranho no país, onde um assunto tão sério como política é tratada não muito diferente de futebol e infelizmente artistas como Pabllo acabam caindo numa linha de fogo cruzado ridícula. Tendo isso, é inegável e até um pouco frustrante a dificuldade que temos de quebrar essas barreiras e consequentemente, ter nossas musicas tocando em rádios”.
Recentemente Gorky comentou no Twitter que o boicote segue até mesmo com jabá.
O jabá é uma prática de comprar execuções ou firmar parcerias nas rádios a fim de que a música se espalhe de forma orgânica dentro de um modelo promocional.
Um ano depois, a mesma história
No dia de hoje (12 de novembro), o Twitter foi bombardeado com denúncias acusando a Rádio 89,1FM (Santa Catarina) de homofobia por recusar a tocar músicas da popstar. Ainda que Pabllo apresente um desempenho invejável no streaming, os números parecem ser insuficientes para que suas músicas sejam tocadas na grade de programação das rádios. Supostas respostas em tom debochado também foram registradas por internautas que enviaram mensagens à emissora pedindo que a música Parabéns, de Pabllo com Psirico, fosse tocada.
Confira na íntegra:
Entramos em contato com a rádio Super 89,1FM pedindo por esclarecimentos (via WhatsApp e e-mail referenciados no site oficial) mas não obtivemos resposta até o momento dessa publicação. Entretanto, um comunicado oficial foi publicado no perfil da empresa no Facebook:
Um projeto antidemocrático
As rádios brasileiras, assim como a TV e telefonia, são frutos de concessões realizadas pelo estado brasileiro a fim de utilizar o espectro para transmissão. Essa concessão implica obrigações, que inclui promover a diversidade cultural e artistas nacionais. A democracia não se trata de excluir minorias em detrimento da maioria, mas promover ações que façam com que todos se sintam abarcados. Excluir uma parcela da população por preconceito é atentar contra direitos que são previstos por lei.
Algoritmos que ocultam.
As redes sociais também são responsáveis por diminuir o alcance da artista. As mídias inseridas nos tweets da drag são consideradas como sensíveis ou impróprias pelo Twitter, que oculta as imagens e coloca uma tarja de proteção. A controvérsia se dá pelo conteúdo do material: as imagens não são de cunho sexual ou impróprio. A rede, que mantém tweets com automutilação, conteúdo sexual explícito e terrorismo sem indicadores de conteúdo; silencia todo e qualquer post da cantora sem critério. Confira:
Notícias falsas que distorcem
Durante o período eleitoral de 2018, inúmeras fake news com o nome de PV começaram a surgir em grupos de WhatsApp e se espalharam pela internet. Algumas delas, como “Pabllo Vittar estampará as notas de 50 reais” e “Pabllo Vittar está grávida de Lula” ganharam tanta repercussão que acabaram se tornando piada pelos internautas. Você deve se lembrar desse vídeo aqui:
Essas informações, contudo, abrem precedentes que somos incapazes de medir: até onde os agentes de desinformação seriam capazes de ir para afetar a dignidade de um artista que representa milhões à margem de uma sociedade conservadora?
Um pouco de esperança
O ditado costuma dizer que “nem tudo são flores”. Nesse caso, podemos reformulá-lo e dizer que “nem tudo são pedras”. No mesmo dia que recebemos a denúncia de boicote da rádio, fomos agraciados por Neto, ídolo que já jogou pelo Corinthians e apresentador do programa Os Donos da Bola, elogiando Pabllo Vittar por sua trajetória em rede nacional.
Como combater esse impasse que é fruto de um preconceito ilógico? Estando mais unidos do que nunca. Passamos por um momento em que nossos direitos estão cada vez mais sendo questionados, seja ou por falas controversas de chefes de estado ou por disseminação de informações falsas como kit gay. Essa rachadura não só afeta Pabllo, mas outros artistas em ascensão como Gloria Groove, Linn da Quebrada, Liniker, Lia Clark, Mia Badgyal, Johny Hooker e tantas outras almas talentosas que são invalidadas por não seguirem padrões sociais.
Precisamos entender que esse boicote não é saudável; comemorar é atentar contra direitos democráticos que em tese deveriam ser para todos.
Apoie seus artistas favoritos, ouça bastante na internet e mostraremos a força que nossa comunidade tem!