Aquecimento Oscar 2024: Vidas Passadas é a realidade do amadurecimento e da dolorosa ação de escolher um caminho.
A dor da distância e do tempo definem ciclos em nossas vidas, mas “e se” fosse de outra forma, não haveria dor?
A jovem diretora e roteirista Celine Song, que de forma errônea, não se encontra entre os indicados na categoria de Melhor Direção, traz um belíssimo trabalho sobre o passado, o presente e quais escolhas devem ser feitas para o futuro. Num todo, a história da personagem Nora, vivida por Greta Lee e de Hae Sung, vivido por Teo Yoo, nos faz refletir sobre nossas decisões e o quão dolorosas elas podem ser.
O longa se inicia com uma cena de julgamento. Num bar vemos três pessoas socializando, sendo dois asiáticos e um americano, a narradora começa a indagar qual o motivo de cada um estar ali. Automaticamente somos incluídos no filme fazendo este mesmo julgamento, afinal, quem são essas pessoas, o que elas fazem ali e por qual motivo o clima não parece agradável?
Somos levados há 24 anos antes, na cidade de Seul na Coréia do Sul, onde conhecemos os jovens Na Young (nome coreano de Nora) e Hae Sung. Dois jovens estudantes de uma mesma escola que possuem a chama de uma paixão. Na Young está de partida para o Canadá, onde seus pais irão imigrar para melhores oportunidades profissionais, mas Hae Sung não parece aceitar bem a ida de sua amiga. Após 12 anos, Nora busca por Hae Sung e aquela chama que existia em suas infâncias volta a queimar. Porém, com a distância existente entre eles e seus objetivos de vida, cria uma difícil relação entre ambos e então, ela se torna insustentável. Contudo, prosseguir a vida não será uma tarefa fácil, já que essa chama se mantém acesa ao longo dos anos, e até que seja tomada uma decisão para o futuro de Nora e Hae Sung.
Em pouco mais de 1h40 a diretora Celine Song utiliza de símbolos, conversas e cenários que extraem do espectador sentimentos inimagináveis, sentimentos esses que não conseguimos explicar, mas que causam dor e reflexão para o nosso próprio futuro. Aprendemos na vida que a cada nova escolha, existem novas renúncias e a narrativa deixa isso claro, mas de uma forma muito mais contemplativa e sentimental. Por exemplo, a partida de Na Young para o Canadá é sentida quando Hae Sung se despede pela última vez “Tchau”, ele diz, assim, cada um vai para um lado de uma bifurcação.
Quando Nora e Hae Sung se encontram vitualmente, alguns sinais presentes detalham a realidade de cada um daqueles jovens, por mais que a distância e o tempo sejam fatores de separação, ainda há uma chama que invade a vida desses dois jovens que passam a se falar diariamente. Porém, percebemos que os dois não estão vivendo o mesmo objetivo, enquanto Nora já busca se profissionalizar cada vez mais, Hae Sung ainda está estudando, ela se mostra mais madura, ele, no entanto, está mais contido e muito mais interessado naquela relação com sua amiga de infância. A decisão tomada por Nora de que a vida dela precisa andar ali nos EUA faz com que a comunicação entre eles seja cortada, afinal, ela estudava a possibilidade de voltar para Seul para encontrar esse homem que despertava sentimentos em seu coração.
Passados 12 anos Nora está casada com Arthur (John Magaro), um escritor, que se deu muito bem com sua família e até se esforça para aprender coreano, mesmo que não haja necessidade. Hae Sung, mais amadurecido realiza uma viagem para definitivamente encontrar Nora, este encontro será o ultimato da relação desses dois. Nora leva Hae Sung para conhecer a cidade de Nova York, nas cenas a seguir encontramos diversos símbolos que nos colocam num embate sobre o que exatamente está rolando ali entre os dois protagonistas, sabemos que há sentimentos, mas quais?
Os olhares entre Nora e Hae Sung, a troca de afeto e a comunicação embargada nos deixam aflitos, questionando qual o motivo de não haver atitude em nenhum dos dois lados.
Lembramos de que a separação entre eles antes se dava por um oceano, agora, a separação é vista em muitos detalhes deixados pela diretora Celine Song, uma barra de ferro do metrô, a distância entre os corpos que a todo momento não ultrapassa uma linha imaginária e assim, a relação dos nossos protagonistas não possui uma conclusão. Ainda durante a visita na cidade, o roteiro nos aprofunda nos sentimentos dessa relação e numa cena específica, assistimos aos dois em primeiro plano com incertezas enquanto em segundo plano, vemos um carrossel girando sem parar, mostrando que por mais que agora Nora e Hae Sung estão frente a frente, eles não sabem mais qual decisão tomar.
A protagonista sente a necessidade de voltar àqueles sentimentos do seu passado, Na Young se mostra presente na vida de Nora, porém, agora uma outra vida faz parte da sua realidade, a de seu marido Arthur. O marido de Nora se desenha como um homem ruim, como se fosse aquele que vai impedir o amor do casal coreano, só que na realidade, ele será o pivô para que Nora faça suas escolhas. Arthur é um homem de bom coração, que permite que Nora viva seus sentimentos e faça suas decisões.
Voltamos a primeira cena do filme. Os três estão sentados na mesa de um bar e Hae Sung se entristece ao perceber que gostou do marido de Nora, essa é a primeira dor do protagonista coreano. A conversa segue com Nora e Hae Sung se perguntando “e se” estivéssemos juntos, “e se” tivéssemos nos encontrados ainda quando jovens, “e se” Nora não tivesse imigrado. São diversas questões sem respostas, e aqui lembramos novamente, para cada escolha, há novas renúncias.
Nora e Hae Sung precisam se decidir, tomar a difícil decisão de qual caminho tomar. Numa troca de olhares de sentimentos sinceros, em sorrisos que não se encaixam, num silêncio ensurdecedor, numa distância avassaladora, desejamos que enfim eles se deixem levar pelos sentimentos, mas não, ambos se abraçam e se despedem. Não há mais “e se”, o presente foi o escolhido, Nora vê a necessidade de pertencer a sua realidade e uma nova cena é mostrada, as crianças coreanas que se separaram na bifurcação, novamente estão se separando, mas agora, está de noite, pois, o dia acabou, a decisão foi tomada.
Os passos dados por Nora e as lágrimas presentes naquele momento são dolorosas o suficiente para despedaçar o espectador, trazendo aquele turbilhão de sentimentos que foram conhecidos ao longo da trama, e se deixando agora transbordar em dor e reflexão sobre nossas escolhas em nossa vida.
Ainda há a questão, afinal, o que são as Vidas Passadas? Bom, o filme por si só, responde essa pergunta.
Quero enaltecer as atuações de Greta Lee e Teo Yoo que foram excepcionais em cada cena, em cada troca de olhar, em cada diálogo e deixar minha indignação ao não serem indicados ao Oscar. Contudo, o filme está concorrendo nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor Filme.
Vidas Passadas está disponível nos cinemas.
Nota: 5/5